Jornalismo de vinhos

out23

A aversão à crítica e a cultura do cancelamento no vinho
Há dias, numa passagem fugaz por essa fábrica de ódio e vaidade chamada Facebook, dei com um post de um membro de um grupo de amantes do vinho, Cegos por Provas, a criticar um vinho do projecto Taboadella que a empresária Luísa Amorim possui no Dão. Dizia assim: “Daqueles vinhos que não quero. Primeiro os números, depois a qualidade. Não e não!! ‘Isto’ respira zero Dão. Aliás, é uma falta de respeito para com a região e para com a casta”.

Teve logo vários seguidores a apoiá-lo, até que, a dada altura do debate, Miguel Ferreira, um colaborador da revista Grandes Escolhas, tomou as dores do produtor desta forma retórica: “Gostava, humildemente, que me explicassem o que é ‘não respirar o Dão’. Não revela a identidade da casta? Há excesso ou precoce maturação da uva? Não gostam que tenha estagiado em cimento ou em barrica? Não gostam de barrica nova? Preferem usada? E que tipo de usada? Tem um teor alcoólico elevado? Tem pouca percepção mineral? Não percebi, mas sei que me vão explicar!”

(...) Há muito disso no sector do vinho em Portugal. Quem escrever profissionalmente e for mais duro com determinado vinho, pessoa ou empresa de nome e poder, já sabe o que o espera mais dia menos dia: cancelamento. Acabaram-se os convites para as apresentações de vinhos ou para provas. E talvez não se livre de uma cartinha de protesto ao “chefe”, como antigamente. Se quiser voltar à tribo, só tem a saída da prostituição: falar muito bem do visado que antes criticou e colocar os seus vinhos e os seus projectos nos píncaros.
É um bocadinho triste este fado lusitano, mas é-o, acima de tudo, para os canceladores. Calar um crítico, seja de que natureza for, diminui mais o cancelador do que o cancelado. E deixa os críticos que são amigos de ambos numa má posição, entre uma eventual deslealdade ao cancelado e a subserviência ao cancelador. Esta conclusão não é fácil de tirar, porque é possível os amigos do cancelador terem boas razões para gostarem dele e dos seus vinhos e não concordarem com as críticas do cancelado. Mas, uma vez cancelado um, todos os outros arriscam o mesmo caminho.


https://www.publico.pt/2023/10/27/fugas/cronica/aversao-critica-cultura-cancelamento-vinho-2067680?access_token=EUkkMoeCJVs1A%2Fcr%2Fh%2FjVUJmb%2FvJipNai7H6Xw%2F%2Bor8Rfxf1YLOB5f7AeYe7LnIT



dez22 JPMartins /Expresso): "No tema especifico dos brancos, há um erro freqentemnente cometido, ainda que intenção tenha sido boa. Explico-me: os brancos só devem ir para o frigorífico depois de previamente abertos e provados. A razão é prosaica mas verdadeira: o frio do frigorífico tende a tapar alguns defeitos. nomedamente o famigerado 'cheiro a rolha' (...) muito mais facil de detetar se o vinho estiver à temperatura ambiente. O procedimento correto é então deitar um pouco de vinho num copo, agitar e cheirar e, se for necesario, provar o vinho para termos a certeza de que esta tudo ok. Devo dizer que aprendi esta regra depois de muita asneira, quando só provava o vinho depois de o tirar do frio"


(23/12/21 - revista Expresso, RDFelner)

email enviado ao provedor dos leitores do Público 21/6/21

Caro Provedor dos Leitores do Público.

Há muitos anos que o Público vem dando uma atenção especial ao vinho, o que - como enófilo amador - saúdo.
O 'problema' do Público é que, demasiadas vezes, a linha editorial do Fugas segue a tendência, muito clara em Portugal, de escrever para os 'stakeholders' (produtores, enólogos, empresários, etc) e não para os consumidores finais, que - imagino - sejam a maior parte dos leitores.

A principal consequência é esta: quem ler as revistas especializadas ou mesmo o Fugas fica convencido de que não há vinhos maus em Portugal.
As revistas especializadas e o Fugas têm até uma regra que divulgam sem pruridos: se o vinho tem menos do que determinada pontuação (55/100 no caso do Público, 13/20 em várias revistas portuguesas) ignora-se! 
Como todos sabemos, porém, não falar no assunto não elimina a realidade.
E a realidade em Portugal é que mais de 90% do vinho vendido custa menos de 5 euros e muitos não terão grande qualidade.
Não quero especular sobre as razões que levam os jornalistas do Público a ignorar os vinhos 'maus'. Mas acredito que os seus leitores agradeceriam que o jornal também lhes falasse dos mais vendidos em Portugal (por exemplo, o fenómeno do vinho em caixa).
Imaginemos uma crítica de cinema em que os críticos só falam de filmes com 3 ou mais estrelas.
Mário Castrim só falava de bons programas de televisão? E é ou não verdade que José Quitério é ainda hoje um símbolo da crítica gastronómica por tanto elogiar como castigar?
Citando um texto de Pedro Garcia nesse mesmo Fugas, é muito mais marcante beber um 'branco colossal' do que uma mistela. Mas se o branco custar 100 euros, será que preciso mesmo de uma crítica? Eu preciso de ajuda não para comprar um Bugatti ou um Maserati, mas para perceber as diferenças entre o Leaf e o Ayris...

PS - muito de vez em quando fala-se em vinhos a 5 euros que valem a pena. Mas porque não vinhos a 5 euros que não valem a pena? 
Todos os vinhos a 10, 15 ou 20 euros são bons? Então, não faria também sentido ouvir falar de vinhos a 15 euros que não valem a pena?

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